Os carros
Fazem silêncio
Em contrassenso
Às quatro da manhã
E das janelas
Acenam homens
Que vão aonde
Pra nunca mais voltar?
E nas cidades
Com todos esses alarmes
Será que é tarde
Pra fingir adormecer?
Falta o dinheiro
Faltam motivos
Diz cada um dos meus amigos
Um pouco antes de desaparecer
E lá de fora
Batem a porta
Chamam por nomes
Sem ninguém pra responder
E o pastor na igreja
Meu Deus, o que ele quer dizer
Com não estamos sós?
Será que ele não vê?
Que, pelas praças
Senão, jogados nos cantos
Com esta esperança tardia
Em nosso coração de criança
Lembramos que, ainda outro dia
Ninguém vive só
Ninguém vive só
Sentávamos na sala
Dizíamos da vida
Perguntamos a hora
Perdemos a fala
De novo, a sala esvazia
Mas ninguém vive só
Mas ninguém vive só
E o rádio repete
O que o pastor dizia
Apontando pro alto
Pro homem do espaço
É quase uma profecia
Ninguém vive só
Ninguém vive só
Morremos na calçada
Entre os refletores, na rua
Cambaleando pra casa
Enquanto em coro se canta
O mesmo absurdo de sempre
Ninguém vive só
Ninguém vive só
Mas sabemos que, se olhassem de perto
Assim, boquiabertos
Um dia, porque há de haver um dia
Irão perceber que, apesar do contraste
Da feliz artificialidade
Transparecendo em nosso sujeito concreto
No fim, que só nos resta tentar
Sim, só nos resta tentar
Sim, nós podemos tentar
Sim, nós podemos tentar